Le Entrevistou | Maestro Adriano Machado reflete sobre 38 anos de carreira, música clássica e Orquestra Sinfônica Villa Lobos
O maestro Adriano Machado celebra 38 anos de uma carreira marcada pela inovação e pela missão de democratizar a música orquestral no Brasil. Pioneiro dos cine-concerts no país e vencedor do Latin GRAMMY, ele é responsável por transformar a forma como o público brasileiro consome música clássica, unindo a grandiosidade das orquestras a experiências visuais e emocionais.
À frente da Orquestra Sinfônica Villa Lobos, fundada por ele em 2000, Adriano soma projetos de grande repercussão, que vão de cine-concerts de sucessos como Star Wars, Harry Potter e La La Land, até parcerias com artistas de diferentes estilos musicais. Ao longo de quase quatro décadas, construiu uma trajetória que rompe barreiras, aproxima novos públicos da música clássica e mantém a excelência que consagrou seu nome na cena sinfônica nacional e internacional.
Conversamos com o maestro em uma entrevista intimista, sobre os principais pontos da sua carreira e trajetória.
Le Ferrarez: Você está completando 38 anos de carreira. Como você analisa toda a sua trajetória até hoje?
Maestro Adriano Machado: Eu nasci numa cidade que tinha uma escola de música. E sempre fui apaixonado por música. Mas, sinceramente, eu decidi realmente viver de música, já tinha uns 20 anos. Eu falei: “Será que é possível?” Porque eu vinha de uma família de comerciantes, meu pai era comerciante, tinha construções e tal. A gente acha que viver de música não é fácil. Já na minha época era assim. Não é… hoje tem mais concorrência, mas, na minha época, era assim.
Mas eu tentei fazer outras coisas, por conta da minha própria família, mas eu nunca fui feliz com nada que não seja relacionado com música. Mas foi muito bom que eu tenha entrado nessa área do comércio e acabei usando essa experiência toda na música. Mas, passando o tempo assim, olhando… esses dias a Nay [assessora de imprensa] me mostrou a matéria [comemorativa de 38 anos], a gente leva um susto, né? Fala: “Poxa vida, 38 anos já… passa tão rápido, né?” E a gente que vive o período não percebe o tempo passar. Você só percebe contando os anos.
Mas foi uma trajetória diferente de muitas outras orquestras, de muitos outros maestros. Não no sentido da regência ou da música em si, mas da visão que eu tenho sobre a música, de como viver dela e como tentar transformar o meu trabalho privado numa realidade. Você tem 98% das orquestras sinfônicas — não do Brasil, mas do mundo — que são orquestras vinculadas ao governo de alguma forma. Outras têm grandes patrocínios. E a gente vem tocando dessa forma sempre, de forma privada, vendendo o nosso trabalho e acreditando na reciprocidade do público, na possibilidade de vender os bilhetes e causar esse interesse. Tem acontecido assim, que a gente tem tido muito sucesso. Então, isso é gratificante.
Le: Eu até ia deixar isso mais pro final, mas acho que se conecta muito com o que você acabou de falar. A gente sabe que viver de música no Brasil não é fácil, e imagino que com a música clássica seja ainda mais desafiador. Sem falar sobre os cine-concerts, que vamos falar mais pra frente, eu queria que você falasse um pouco sobre isso: como é, na prática, viver de música clássica no Brasil hoje?
Maestro: Quando eu falo “difícil de viver”, toda profissão é difícil, né? Mas existe um argumento que é independente da profissão: se você se esforçar ao máximo e fizer o seu melhor, você vai encontrar sempre seu espaço. Mas, assim, a música não é fácil. Você tem concorrência em todas as áreas. Imagino que um DJ que faz música eletrônica deve sofrer, né? Porque o cara tem desde o DJ de festa até um DJ artista. O [cantor] sertanejo, a mesma coisa. Qualquer esquina que você vai, no bar tem alguém tocando um violãozinho, uma dupla sertaneja.
Então, a concorrência é grande em todas as áreas. Porém, a busca dessas outras áreas, principalmente pelo público, é mais natural, o que facilita um pouco a vivência profissional da pessoa. Por que eu tô dizendo isso? Porque a gente mora num país onde a música clássica não é tão difundida e tão divulgada. Você tem um público restrito. Tendo um público restrito, você tem uma venda muito menor do que um outro produto. Então, tudo isso dificulta a nossa vida como profissional. Você encontrar esse público não é fácil. A música clássica não tem essa divulgação.
Sempre quando alguém me pergunta, eu acho que, por um bom tempo, eu dividi essa responsabilidade. Mas, hoje, eu acredito que a responsabilidade é muito nossa. Eu tive a oportunidade de estudar música clássica, estudar regência, tocar violino e tocar numa orquestra. Então, é uma grande responsabilidade da minha parte, hoje, tentar de alguma forma divulgar esse mundo, né?
Mas, respondendo efetivamente sua pergunta, a nossa área não é uma área fácil, não é uma profissão tão fácil. Você tem poucas orquestras no país, tem poucos locais para você dar aula. E eu tô falando da música de concerto. Poucos locais para você ensinar um instrumento clássico de forma profissional e com conteúdo programático decente. Então, às vezes, você tem uma classe com 20 alunos de violino. Aí você pensa: “Esses meninos… eu tô incentivando, eles vão trabalhar onde?” E aí eu tô falando de instrumento que tem numa orquestra sinfônica cerca de 30 músicos. Imagina uma flauta, que você tem duas ou três flautas só. Um oboé, por exemplo, só tem dois ou três.
Então começa a ficar mais afunilada ainda a possibilidade de trabalho para certos instrumentos. Mas, antes de deixar isso como um desalento ou desestimular alguém, eu quero dizer que, se você gosta… […] estude, se dedique, se dedique! Pelo fato de ter uma ou duas por orquestra, também tem poucas pessoas que procuram. Então, às vezes, ali tá seu espaço, a sua oportunidade. Então, se você gosta de música, buscou esse instrumento, tá pensando em desistir… não! Não desiste. Não vale a pena.
Le: Você acha que trazer o cine-concert para o Brasil é uma forma de tentar romper essa barreira? De alcançar um público diferente, que, em geral, não se interessaria por orquestra? O projeto é uma maneira de atrair mais amantes para a música clássica?
Maestro: É, com certeza. A [Orquestra] Villa-Lobos se especializou em cine-concert, diferente de outras orquestras. Então, nós acabamos conseguindo trazer pro Brasil os cine-concerts oficiais. […] Todos os cine-concerts que fizemos até hoje, entramos em contato com a marca, pagamos todos os direitos da marca, inclusive a legenda que você vê na tela, que vai ser em português.
Quando eu falo “nós”, é o grupo que traz. Então, tem as produtoras que são parceiras e que eu faço a parte musical. Essas produtoras compram o direito, me chamam, e a gente faz junto isso. Mas todos esses cine-concerts que foram feitos por nós são feitos com todos os direitos pagos.
E aí, qual a vantagem? Nós temos o vídeo original, a legenda original, o track original, que é o tempo da música exatamente como foi gravado. Porque eu, como maestro, tenho um clique no meu vídeo que tá exatamente em sincronia com o filme. Então, você que tá na plateia está vendo uma orquestra tocando exatamente como a orquestra original gravou no estúdio [do filme]. Essa é a nossa diferença. Foi isso que a gente se especializou em fazer.
Mas, independente desses requisitos, voltando a falar da orquestra e da música em si, você tem total razão. O que acontece? Quando você pega uma orquestra sinfônica e coloca essa orquestra tocando uma melodia popular conhecida pelo público, você atrai, primeiro, o público pela melodia.
Eu tô fazendo Nirvana, tributo ao Nirvana. Eu atraio o público do Nirvana pra ver os meninos cantando ali Nirvana e: “Opa, vai ser uma orquestra também”. Atrai o público pra assistir o cine-concert do Star Wars. Aí, o público chega lá pra assistir o filme que ele já conhece. “Nossa, que coisa linda, tem uma orquestra na frente aqui com 80 pessoas. Que instrumento é aquele comprido lá no meio da orquestra? É um fagote. Nunca tinha visto esse instrumento. Que sonoridade linda.”
E isso, conversando com a pessoa que tá ao lado e dividindo essa experiência, fica marcante. Porque você ver uma orquestra tocando em sincronia é lindo, é um negócio absurdo. Você ver aquilo é uma coisa mágica, né?
E, quando você fala que o cine-concert não é música clássica, os elementos das maiores composições de cine-concert, principalmente esses feitos por John Williams, como Howard Shore, que fez O Senhor dos Anéis, Hans Zimmer, que fez Gladiador e vários outros temas… Esses compositores têm na mão as mesmas ferramentas que o Beethoven tinha. Ferramentas que eu falo são de conhecimento harmônico. […] E, claro, cada um no seu talento.
Eles são, hoje, conceituados no nosso meio instrumental como os grandes compositores do século, de tão importantes que eles são. A única diferença é que a música deles é voltada totalmente para entretenimento.
E aí, quando você vai assistir, é como se você estivesse assistindo a um grande show de rock, que você conhece a música, você pode aplaudir no meio, você pode gritar, você pode levantar, você pode dançar, se tiver uma música ali mais dançante. […] Você pode dançar a música, diferente da atitude que você teria dentro de uma sala de concerto, tocando uma sinfonia.
Mas isso que é bonito, é conseguir um público que não está acostumado. Aí, você pega esse público e traz pra dentro da sala de concerto e incentiva esse público que vem assistir à Villa-Lobos, não só assistir à Villa-Lobos, mas qualquer outra orquestra que estiver tocando música de concerto.
E aí, Le, se você tiver essa experiência, ou quem tiver lendo sua matéria, eu gostaria que tentasse ter essa experiência. Um dia, compra um bilhete, vai numa sala de concerto e vai ter esse ritual de você sentar, ouvir uma sinfonia inteira de dois, três, quatro movimentos.
Uma sinfonia, normalmente, vai ter três ou quatro movimentos. Vai ter um movimento rápido no início, alegre, que eles chamam de allegro, normalmente. Aí, vai ter um movimento lento, depois um scherzo, que é uma dança, e termina com um finale presto, que é já mais empolgante e tal.
Normalmente, essa estrutura dos quatro movimentos de uma sinfonia pode durar em torno de 35 a 45, 50 minutos, a depender da sinfonia. Você ficar nesse ambiente, ouvindo todo mundo em silêncio, nota por nota, ouvindo todo o clima que essa música pode trazer, também é outra experiência marcante.
Ainda mais no mundo em que as pessoas não têm mais paciência pra nada. A cada dois segundos, você quer pegar seu celular pra ver uma matéria nova. Aquela matéria, “Ai, que maravilha”, você já vai pra outra, nem lembra mais da primeira matéria que viu.
Então, ter essa experiência dentro de uma sala de concerto, seja com cine-concert, com música mais pop, já é interessante. E ter essa experiência também com música de concerto é maravilhoso.
Le: E como foi a criação da Orquestra Sinfônica de Villa Lobos?
Maestro: A Orquestra Sinfônica tem agora, em agosto — vai ser no dia 30 de agosto —, um concerto só com música de concerto. Concerto de violino Tchaikovsky. […] São obras bem conhecidas do público clássico, mas são temas que você vai logo reconhecer. Aí, nós vamos ter A Lista de Schindler, vamos ter algumas coisas também voltadas pra filme, já com essa intenção de unir os dois mundos, sabe? Então, é bem uma experiência marcante pra quem nunca foi, né?
Então, respondendo de novo sua pergunta — eu dei uma volta, mas pra responder —, acho, sim, que tanto o cine-concert que você citou, como outro tipo de música pop que a gente possa fazer com orquestra, é, sim, uma ponte e, quem sabe, é a única ponte pra levar pessoas que ainda não tiveram um conhecimento maior de música clássica pra dentro de uma sala de concerto.
Eu era maestro de uma orquestra chamada Orquestra Sinfônica Paulista. É uma orquestra, nos moldes de qualquer outra orquestra sinfônica, com uma programação anual fixa de 20, 30, 40 concertos. A orquestra é voltada, obviamente, para a música clássica e para o ensino dessa música e o desenvolvimento dos compositores brasileiros. Essa é, mais ou menos, uma função de uma orquestra sinfônica tradicional. Você tem um repertório de 20, 30, 40 concertos por ano em uma orquestra média. Uma orquestra grande, como a Osesp, vai ter 140, 110, 120 concertos por ano. Já a Villa Lobos, ano passado, nós tivemos mais de 100 concertos, 140 shows.
É uma orquestra tradicional. Você faz a música sinfônica clássica mais vencida. Você pode vir do barroco, aí você vem pro clássico, vem pro romantismo, vem para a música mais moderna, você passa os séculos onde a música clássica foi criada, para que o seu público comece a entender, a conhecer e a pedir mais. Neste grupo de músicas, você coloca um pouco de música clássica brasileira, escrita por diversos compositores, como Villa Lobos, que já se foi, e novos compositores brasileiros que ainda estão em… estão fazendo grandes… grandes músicas, mas voltadas para a música clássica.
Então, é mais ou menos esse escopo de um grupo clássico tradicional. De vez em quando, você coloca uma música popular, mas não é o conceito desse tipo de trabalho. Eu sentia muita falta, realmente, de ter a introdução da música mais popular, justamente para poder abranger esse público que não vinha em concerto. Então, eu resolvi criar o que é a Sinfônica Villa Lobos, em 2000, para ter esse… para ter essa… essa aproximação do nosso público diferenciado. E a orquestra virou um sucesso.
Em 2008, eu saí da Orquestra Sinfônica Paulista e, a partir disso, fico fixo só com o meu trabalho da Villa Lobos, num crescente, assim, a ponto de a gente fazer gravações com artistas de todos os tamanhos: da música clássica, da música popular, do sertanejo, do pop, do MPB, da música internacional, da música eletrônica, até chegar na música de game, que me levou para a música do cine-concert.
A música de game foi o que nos encaminhou para a música do cine-concert, porque ela tem muita similaridade. […] Já chegamos a fazer um carro de Fórmula 1, um simulador. Era só a carcaça do carro de Fórmula 1 e, dentro do carro, tinha um volante de… de game. E aí, no saguão do nosso evento, foi feito um concurso ali. Quem ganhasse o concurso no simulador subia no palco, entrava no carro para jogar, e a orquestra ia tocar, ao vivo, a música do game de corrida. Então, foi super bacana. E aí, sincronizado, o menino jogando ali, olhando pra tela, o público inteiro acompanhando e gritando.
Fizemos isso também com Guitar Hero. Tinha aquele… aquele aparelhinho. Nós fizemos o concurso e aí aconteceu uma coisa inédita. O cara era genial, um menino com 13, 14 anos. Ele subiu no palco, a tela tava atrás dele, ele ficou virado pro palco, de costas pra tela. Começou a música e ele conhecia a música e, no ritmo da música, ele tocou Guitar Hero numa pontuação máxima, sem nem olhar pra tela. Então, são experiências que nós tivemos com a Orquestra Sinfônica de Villa Lobos que você fala: “Meu Deus!”.
Então, isso nos levou pra música de cinema, o cine-concert, que tem essa similaridade com… com tela, com vídeo, e totalmente sincronizado com áudio, vídeo e orquestra ali no palco.
Para quem ficou com vontade de viver essa experiência, o maestro tem uma agenda cultural intensa com grandes atrações nacionais e internacionais. O grupo IL VOLO desembarca no Brasil com uma série de compromissos, incluindo participação no programa do Serginho Groisman, na Globo, no dia 27 de maio, e uma apresentação no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, no dia 28. A turnê oficial começa em outubro, passando pelo Rio de Janeiro (03/10), Belo Horizonte (05/10), Curitiba (07/10), Porto Alegre (08/10) e três apresentações seguidas em São Paulo, nos dias 10, 11 e 12. Além disso, o calendário do músico inclui o espetáculo Ragnarok, no Teatro Bradesco em 14 de junho, o tributo à Tina Turner com a OSVL em Campinas em 26 de junho, e dois shows no MultiPlan São Caetano: Game Music (02/08) e Do Samba ao Tango (30/08). Encerrando a programação, o espetáculo ONTVermelho acontece no Teatro Bradesco, em 6 de novembro.
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