Mais de um século separa o original do remake
Uma das figuras mais icônicas do cinema de terror voltou a cravar suas presas no imaginário dos DarkSiders graças a versão de Robert Eggers para Nosferatu. Desde seu horripilante visual que lembra um roedor até as polêmicas semelhanças com o Drácula de Bram Stoker, o Conde Orlok mais uma vez prova a sua imortalidade na cultura pop.
Este fenômeno pode ser conhecido em detalhes em Nosferatu: Sinfonia das Sombras, lançamento da DarkSide® da Coleção Clássicos do Cinema BFI, com análises do British Film Institute de filmes que marcaram a história. Ao investigar a evolução do mito do vampiro no filme e na cultura, o autor Kevin Jackson revela como e por que o longa de F.W. Murnau continua sendo ao mesmo tempo belo e assustador.
Apesar de muitos diretores já terem se proposto a adaptar a obra de Murnau, poucos expandiram a história com tanta profundidade como Robert Eggers na versão que acaba de chegar aos cinemas. Nosferatu se mantém fiel à história original de 1922, mas há alguns detalhes e mudanças que foram acrescentados para desenvolver melhor alguns personagens e prender a audiência na assombrosa história do Conde Orlok. Conheça algumas destas diferenças:
O novo visual de Nosferatu
Uma das mudanças que mais chamou a atenção na nova versão é justamente a aparição do Conde Orlok. Diferentemente do vampiro de F.W. Murnau, o Orlok interpretado por Bill Skarsgård não manteve aquele visual de rato. O look ficou mais grotesco, lembrando um cadáver em decomposição.

Além disso, os espectadores notaram que o vampirão agora tem um bigode, roupas decrépitas e algum cabelo na sua careca (já podemos chamar de calveludo)? Essa provavelmente foi uma escolha de Eggers para deixar o visual de Nosferatu mais humano, conforme explicou em uma entrevista à Vanity Fair: “Esse cara se parece com um homem nobre e falecido da Transilvânia”.
A criação do professor Albin Eberhart Von Franz
Outra mudança gritante foi a criação de um novo personagem, o professor Albin Eberhart Von Franz, interpretado por Willem Dafoe. O professor é um caçador de vampiros e um cientista do mundo oculto que ajuda Ellen (Lily-Rose Depp) e Thomas (Nicholas Hoult) a desvendarem o mistério por trás da maldição de Nosferatu.

Considerando a importância do personagem no novo Nosferatu, é até estranho imaginar que ele não existia nos filmes anteriores. Em vez disso, os protagonistas contam com a ajuda do professor Sievers, que cuida do hospital de doenças mentais de Wisborg. A criação de Von Franz permite que o público conheça melhor os fatores paranormais do filme, como as habilidades de Ellen para se conectar com o Outro Lado.
Ellen invoca o Conde Orlok
A relação entre o Conde Orlok e Ellen Hutter mudou bastante no novo filme. Na adaptação de Eggers, Ellen é responsável por invocar o Conde quando era mais jovem, usando sua conexão com o sobrenatural. Por causa disso, a relação deles não é apenas mais íntima, mas se mantém por um longo período, até seu desfecho trágico para os dois.

Essa mudança explica os motivos por trás da obsessão de Orlok com Ellen, e dá mais importância à personagem, que pretende fugir do seu predador. No original, o interesse do Conde por ela começa porque ele vê uma foto da jovem quando Thomas o visita no castelo. A escolha de Ellen de invocar o Conde Orlok também dá mais profundidade à personagem, que era simplesmente uma vítima indefesa no filme de 1922.
Nosferatu ataca as vítimas na região do peito
Uma mudança pequena, porém significativa na versão de Eggers: diferentemente do vampiro clássico que ataca suas vítimas no pescoço, o novo Conde Orlok as ataca no peito, de uma maneira bem mais grotesca.

Optar por esse tipo de ataque é mais uma das maneiras que o cineasta encontrou de evidenciar a brutalidade de Nosferatu. Segundo ele, a escolha foi feita para homenagear as antigas histórias de vampiros, nas quais os vampiros atacavam suas vítimas no peito, próximo ao coração, e não no pescoço.
O tempo de tela de Friedrich e Anna
Vários coadjuvantes ganharam papéis maiores no novo filme, e o destaque aqui certamente fica para Friedrich (Aaron Taylor-Johnson) e Anna Harding (Emma Corrin), o casal de amigos de Thomas e Ellen. Comparado ao clássico, os dois personagens ganharam mais profundidade, o que torna seus destinos ainda mais trágicos.

Entre as principais diferenças para o filme de Murnau, podemos destacar que no de 1922 Friedrich vive com sua irmã, Anna não é sua esposa, e ele não tem filhos. Enquanto Ellen fica com os Hardings, ela mal interage com eles — mas na nova versão ela e Anna são amigas de longa data, e Friedrich e Thomas são tão próximos quanto. O ceticismo de Friedrich diante do sobrenatural também foi uma adição de Eggers.
O relicário de Ellen
Pode parecer detalhe, mas para Eggers tudo tem um propósito. No novo Nosferatu, Ellen dá a Thomas um relicário com um pouco do seu cabelo antes de ele partir. O objeto tem um papel importante na narrativa, estreitando a conexão de Orlok com Ellen.

O filme de 1922 não tem esse relicário, em vez disso Thomas carrega uma foto de Ellen, que desencadeia a obsessão de Orlok por ela. Apesar de parecer uma mudança pequena, é mais um elemento que mostra o papel ativo de Ellen no triângulo amoroso.
A tentativa frustrada de Thomas em matar o Conde Orlok
Outra mudança pequena, mas repleta de significado está nas interações de Thomas com o Conde no castelo. Apesar de originalmente Thomas tentar fugir quando descobre a verdade sobre Orlok, o personagem de Nicholas Hoult tenta matar o vampiro com uma estaca. Mas isso não dá certo, até porque seria um filme muito curto.

A decisão de Robert Eggers de incluir esse ataque serve para dar uma camada de coragem a Thomas, que anteriormente tinha se acovardado na presença de Orlok. Além disso, mostra o comprometimento de Thomas em proteger Ellen, que ele agora sabe ter se tornado alvo do vampiro.
A carruagem que leva Thomas não tem pessoas
Mais um detalhe que prova os poderes sobrenaturais de Orlok e confere ainda mais terror para o público. Diferentemente do original, em que Nosferatu conduz a carruagem que leva Thomas ao castelo, aqui não há pessoa alguma fazendo isso.

Além de ser bem assustador de ver, ajuda a construir o terror de Thomas conforme ele se aproxima do seu misterioso destino e se depara com coisas além de sua compreensão.
A dinâmica do triângulo amoroso
Enquanto Orlok e Ellen têm um contato mais breve no clássico, o novo Nosferatu dá aos dois um complexo envolvimento romântico e sexual. Quando Orlok se reconecta a ela após seu casamento, testemunhamos um complicado triângulo amoroso entre Ellen, Thomas e Orlok que causa a destruição de quem estiver por perto.

A mudança explica melhor a obsessão de Orlok com Ellen, datando desde a primeira vez em que ela o invocou. Para a personagem, seu passado sombrio com o vampiro causa tanto vergonha quanto excitação. A trágica natureza desse triângulo aprofunda as motivações dos protagonistas, tornando Nosferatu mais do que um filme de vampiros, mas um estudo da natureza e dos impulsos humanos.
Knock ganha uma história de origem
Nosferatu revisita o personagem de Knock, o capanga de Orlok que o ajuda a capturar suas vítimas. Apesar de sua aparição no original ser bem breve, Eggers optou expandir o personagem com mais tempo de tela e uma história de origem.
De modo semelhante ao original, descobrimos que Knock é o chefe de Thomas, que se envolvia espontaneamente com ocultismo, adotando práticas nefastas para se comunicar com o Conde Orlok. Na nova versão, nós o vemos aterrorizando aldeões, planejando a captura de Thomas e se consultando com Orlok. Com isso, podemos entender melhor o contexto da espiral de loucura e sua ligação com o vampiro, tornando-o um personagem que é ao mesmo tempo mais assustador e trágico.
Fotos: reprodução/DarkSide/IMDB